Dia de Circo (Parte I)


Sabe-se que por dentro das lonas daquele circo eu via o espetáculo a grosso modo se despir, cultuando o prazer que sentia por meu  arredio, triste, e hipnotizado olhar. Eu, que havia fugido de outro mundo, agora me encontrava numa melodia nostálgica, louca de vontade de encontrar você nas casas em volta. Lembro que saí dali antes mesmo que as apresentações começassem e fui até uma bela igrejinha do bairro. Entrei e sentei na última fileira dos bancos, olhando tudo ao redor. Minha mente tentava sucumbir qualquer distância ou diferença entre o tempo presente e passado. Você ainda estaria naquele lugar, como no natal anterior. Eu procurei você, buscando cada imagem que seu olhar alcançou, ou ainda moléculas do seu cheiro flutuando no ar. Voltei correndo pra dentro do circo. Caminhei calada e calmamente, cabisbaixa, enquanto tudo se voltava para o centro, entre surpresos corações ligeiros vendo um jovem homem suspeitar de sua fatalidade e banhar-se de fogo. Já sentada lá no canto, na última fileira da arquibancada, percorri meu olhar fugaz mais uma vez sobre o público, o carrinho de pipoca, e os malabaristas. Pude ver que lá de fora meninas corriam a minha procura com algo que te pertencia. Não me pergunte como pude ver, mas como num flash, as vi. Evocavam-me sobre palavras quase desesperadas. A luz baixa do circo fazia sentir ainda mais que a magia da vida ainda existe, e que tudo que existe faz parte dos espetáculos misteriosos de uma visão divina. Dança, movimento, pulos e explosão de luzes. Risos, lágrimas, medo e suspense. Coragem. Todas as emoções esbarrando de mim e de todos que se faziam presentes na grande arena. E pelo que eu sabia acontecer, lá fora também. Um momento trazendo o clímax absoluto da nota mais forte da sinfonia. Era tudo de uma linguagem não-verbal extrema, o silêncio dentro de mim. E uma chuva, uma tempestade de expressões querendo dizer tudo. Um palco romano de onde brotaram batalhas entre gladiadores e ferozes animais bem no meio do picadeiro. Enquanto toda teoria circense evoluía e os homens agora mais “faziam de conta” enfrentar os leões, com sua cabeça dentro da boca do bicho, eu esperava ali o meu desenvolver dos sentidos, a fim da quietude de alguns sentimentos. Pois nesse dia, ao olhar pra dentro, só enxergava uma vergonha pelas aberrações que fui criando, aos poucos, em minhas emoções. Criatura de um desejo estranho.  Grande vontade deformada. A esse ponto já não sabia se assistia ao show ou fazia parte dele. Se contemplava o número junto com a platéia, ou se a atração principal de todo drama era eu. A cigana domadora de ursos que perseguia seus sonhos junto à trupe, fugindo do seu verdadeiro lugar por ser perseguida pela crueldade mais mesquinha. Estacionada e olhando pra um nada, como se esperando a hora certa de fugir. Entre o momento de minha vaga distração, uma nova atração habitava o picadeiro. Fazendo com que todos ficassem mais atentos. Até mesmo eu, que saí um pouco do meu mundo distante em pensamentos e fui atraída pelo suspense de luzes com mistérios. Um som avassalando qualquer coisa dita comum. Com sua destreza um homem tornava sua presença a mais onipotente de toda a noite. Era ele um atirador de facas. Descamisado, ao se apresentar vestido de uma calça justa e portando um par de braceletes nos pulsos. A máscara cobria toda cabeça, deixando somente rastros de um cabelo negro em sua nuca e olhares miúdos quase hipnotizantes. Apontou em minha direção e eu, como um imã sem vontade própria, poderosamente magnetizado pelo outro pólo, levantei-me, desci as arquibancadas, e segui em direção ao centro do circo. (Continua...)

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