Conto da cor de um encontro de amor


Sentei no último banco do lado esquerdo do ônibus, encostado na janela, como sempre preferi. Um vento bom vinha da noite que queria chover. O ônibus com todos seus assentos ocupados, havia somente umas cinco pessoas em pé. Reparei quando ele subiu. Bem vestido, mas informal, bornal nas costas, cara de homem. Meio descolado, meio sério. Quase uma contradição. O que no geral causava um bom contraste. Na dele. Ele era sexy. Abri a bolsa procurando o MP3. Ouvir música durante a viagem pra casa é minha terapia do dia. Pensamentos, lembranças, bobas imaginações, as coisas a fazer quando chegar, o dia de hoje. Já seria a terceira vez que voltava aquela música do Leoni, olhando pela janela, pensando naquelas coisas. Quando parou no terminal a senhora ao meu lado levantou-se e ele, que sentava do outro lado ocupou o lugar dela, abrindo um livro que estava em seu bornal. Olhando pela janela o que acontecia lá fora fui ficando distraída, a música cada vez que repetida me desacelerava aquela enxurrada de coisas a pensar. Sentia. Experimentava somente o vento que vinha de fora batendo na cara, acarinhado o rosto, fazendo mechas de cabelo voar pra trás. Algumas mechas tocavam rápido o rosto do rapaz. As mechas mais longas pousavam bem no peito esquerdo dele. Ele, com os olhos grudados nas palavras, continuava sério. Meus reflexos iam agarrando o cabelo e os deixando por perto, para não incomodar o moço. Nem sempre, às vezes entrava um vento que jogava o forte o cabelo nele. Só podia fazer aquilo com um desígnio misterioso, só podia. Aos poucos fui deixando o ar fazer o que bem entendesse. Tava gostando daquilo. E ele, aparentemente concentrado e sereno, não reagia de alguma maneira que se mostrasse perturbado. Grande constranger não era, mas de fato me fazia ficar sem graça pela ousadia dos fios, embora ousadia divertida e delicadamente encantadora. E ele, nenhuma demonstração de incomodo. Não de forma negativa: depois de já certo tempo de viagem em que parte de mim o tocava, ele me olha de lado, perguntando meu nome. Assustada, olho para seus livros, respondo, e sorrio em direção a seus olhos.

Havia um abajur lilás ao lado da cama, sobre o criado mudo de madeira nobre, bem trabalhado. Sentia os dedos dele tocar meus cabelos. Como vítima de um choque, o simples tocar de seus dedos em minha pele fazia arrepiar meu couro cabeludo. Meus olhos fixavam-se naquele abajur, expressão doce e sensual dos desejos emanados em todo o cômodo. O silêncio alternado pelos sussurros roucos de Gabriel bem junto ao meu ouvido. Palavras em perfeita retórica. Meus sentidos triplicavam. Ali o peito parecia querer explodir. Morria de sede meus lábios entreabertos. Ele haveria rasgado a minha roupa. Eu, desvairadamente, implorava pra ele rasgar até minha pele com suas mãos quentes e nervosas. Ah, aquele corpo bem perto... Exuberância da vontade, exagero de uma força insaciável. Deitada sobre o tecido macio vivia um momento sublime, fiel, só meu. Deixe-me quieta o resto do mundo! Desalinha-me, Gabriel! Mais e por inteira! Sentindo seu peitoral apertando minhas costas contra a cama, nossas pernas se movendo lentamente, experimentando a pele alheia, uma deslizando, bem devagar, na outra. O clima fresco daquele começo de madrugada instigava mais ainda a abandonar a túnica santa e dar lugar aos mais cretinos prazeres da vida. Olhares profundos de tanta energia entre dois seres que pareciam ser regidos pelo fogo. Os tantos livros jogados ao chão, a música, o cheiro. A continuação. As várias danças em que meu cabelo tocava seu corpo. Os vários livros aos que testemunho sendo devorados, defendidos, discutidos por ele. Os “Woody Allens” interrompidos ao meio por se cobiçar de imediato um ao outro. Ontem ao sentar no último banco do lado direito do ônibus, deitei a cabeça no ombro dele, ele entrelaçou sua mão na minha e beijou-me a cabeça, voltando a ler o livro, e eu escutando música e sentindo o cheiro gostoso da sua camisa.

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7 comentários:

  1. Uia... me parece uma viagem na linha 007!kkkkk Amiga, adoro a forma como você escreve, instiga a imaginação... :)

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  2. Muuuito obrigada viu, mestra?? Sua opinião sempre me faz bem! :)

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  3. Olá "Índia com colar", como vai? E mais uma vez você me surpreende com suas expressões, sempre adorei a forma com que trabalha as palavras, me senti assistindo a toda cena na íntegra e ao vivo. Percebo uma grande diferença em relação aos seus primeiros textos, muito mais maduros, profundos e ousados.
    Bom, aguardarei anciosamente pelas próximas escrituras.
    Cordialmente,

    "A" cor de rosas.

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  4. O conto que mais me encantou!!
    É lindo ver você se tornar a mais bela flor, a mais sensível, a mais inspirada!
    Menina ontem, hoje uma mulher em construção..
    Uma das pessoas mais doces que já conheci!

    Torço para que continue trilhando esse caminho literário, brilhantemente.. Pra que eu possa ler, me emocionar e viajar em suas histórias!!
    Amo Linoka!!

    Bjo.. Nique

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  5. "A" cor de rosas:
    Olá! Vou bem, graças a Deus. E você? Ainda tenho muito pra aprender e melhorar, e ter esse retorno, saber que compartilho minhas idéias, me dá mais segurança e me motiva. Obrigada! Rosas tem cores lindas, e o "Índia com colar" foi bem legal. ;)

    Nique:
    Se sou essas coisas que você falou aí é que sou rodeada de coisas boas. Histórias que já vivi, as oportunidades, os momentos tristes, perdas, e principalmente as superações e as pessoas incríveis que já me reparei pelo caminho. Sou muito grata a Deus por cada uma dessas pessoas, e você é uma delas. Por isso você é suspeita. haha Brigadão, amora!

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  6. Olha eu novamente,

    Olá "Índia com colar", tudo bem também. A vida é assim, nunca nos ensina por completo, ela tem sede de sabedoria.
    Realmente rosas possuem cores lindas, gosta de rosas? Arrisco palpite que sim. Não sei se recorda, mas aprendi a gostar de Nando Reis e principalmente a música "Relicário" com você, que, afinal de contas é sua música predileta.
    Não pude deixar de ler o que escreveu para a "kikaodonto20..." onde diz [...principalmente as superações e as pessoas incríveis que já me reparei pelo caminho. Sou muito grata a Deus por cada uma dessas pessoas...] pois ao menos sei que posso ser bem vindo ao seu redor.
    Te desejo uma boa noite e até a próxima.

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  7. Obrigada. Desculpe, mas não tenho certeza sobre sua identidade, por isso fica difícil recordar assim. A relação das rosas tem, pra você, algo a ver com meu aniversário do ano passado? E o "A" condiz com a primeira letra do seu nome? Relicário é uma das minhas músicas preferidas sim.Abraço.

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