Alô, amigo?

Porque seus olhos tristes olham desse jeito enigmático pra esta tela enigmática de uma máquina? Você parece não confiar em mim e despreza tudo que eu ainda nem disse, eu não quero mais fingir que você segura essas mãos com vontade. Eu vejo. Percebo nela pele implorando por um pouco mais de verdade naquele seu toque. Não finja assim, pequeno amigo. Não minta pra ela, não minta pra você mesmo. No domingo passado, no começo da tarde, depois do almoço, você me chamou e eu atravessei a rua te cumprimentando com um abraço saudoso. Nós sentamos, nós três: eu você e nossa outra amiga. Ficamos ali por horas. Você explicando as notas do violino, as variações de notas, claves e sois a ela. E eu ali, sem entender nada, achando tudo aquilo tão interessante. Interessante como uma menininha que olha abobalhada pra sua mãe “maior artista do mundo” pintando a cara em frente ao espelho. Sabe? Você e ela eram meus ídolos naquele rápido instante. Eu ficava calada a observar, foi um momento lindo. Depois passamos a conversar sobre negócios, de uma forma tão adulta a ponto de assustar o melhor lado abestalhado que faz de nós dois palhaços a maior parte das horas. Mas éramos pessoas sérias debatendo sobre preconceitos, música e negócios. Num dia de sol sorrindo, e no clichê mais bonito de um cenário dominical. Você ainda cheio de espinhas e com o cabelo caindo no olho, eu de toca na cabeça e vestidão largado (tudo com muitas cores e estampas), nossa amiga doida tentando acertar o jeito de encaixar o polegar no instrumento de cordas e nos contando sobre as crinas de cavalo (nossos planos de acolher os alazões da rua pra sermos, enfim, empreendedores no ramo de arcos de violino - preciso documentar isso mais tarde). Talvez como num livro que li, poderíamos criar um elo triplo de alta sociedade pensante. Talvez pudéssemos ser as três estrelas desses seriados com baladas nostálgicas e textos tocantes ao fim de cada episódio. Você devia guardar a sensação daquele toque como guardo a lembrança daquela tarde: simples demais, inesperada e quase preguiçosa, e indescritivelmente extraordinária. E por que não guarda, então? Por isso digo pra parar de querer criar seus momentos e passar a sentir de verdade. Ela não merece isso. Ninguém merece. E nem me interesso em você, meu rapaz. Não com olhos além de irmandade. Tenho meu muso romântico, e prezo por ele. Quero que você viva isso também. Deixe esses olhares embaçados de lado. Seja mais honesto consigo mesmo. Sim, ela gosta de você, tenho certeza disso. Não, ela não gosta: ela o ama, ela o respeita, ela o admira. Corre pros braços dela, então. Não é todo dia, não é toda vida que se encontra amor assim. Corre! Toca ela, olha dentro dos olhos dela, enxerga sua alma. Abraça ela como se pudesse guardar o mundo em si. Experimenta abraçar desse jeito. É a melhor coisa que existe. Te digo: a melhor coisa que existe! E depois, você fecha os olhos e vai armazenando o momento. O cheiro, a cor, a sensação, tudo no disco rígido que há dentro de si, onde se armazena as melhores lembranças. Eu faço isso e posso te dizer: tem vários filmes dentro de mim. Espera! Não desliga agora. Escuta. Não precisa falar nada mesmo. Só preste atenção: ela sente sua falta. Não sabe se você sente a falta dela, tem quase certeza que não, você se afastou tão cruelmente dessa vez. Pensa que é como se um não tivesse existido pro outro. Mas se ela estiver errada, desliga esse telefone agora e liga. Chame ela e transforme todo seu silêncio em uma noite sabatina simples demais, inesperada e quase preguiçosa, e indescritivelmente extraordinária.

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