Zíaco - As Várias Vidas de Ismália
Subia lentamente as escadas, passo a passo, como se a cada passo dos meus pés ao chão eu conseguisse atingir a mais um estado de pensamento. De certo que não procurava pensar em nada. Estava a me refugiar disso, que já parecia estar tão cansativo. Esgotava-me de raciocinar o que parecia não haver muita razão. Sim, era mais uma louca mulher no meio da madrugada que se deixava levar a um lugar melancólico pela teimosia instintivamente feminina. Ou por outra coisa qualquer, sei lá o quê. Ah, que não era uma dor desconhecida. Mas ainda assim, uma dor inédita. Tão largada, meu Deus! A doce maltrapilha que me tornara vestia uma camisola alva cumprida, subindo para o alto daquela torre. Ao chegar no topo, com o vento o tecido leve dançava sobre meu corpo, e meus caelos indomáveis sobre meu rosto triste. Em alguns instantes a força desse vento batia na cara, como a tentar acordar-me, fazendo com que enxergasse o que há de bom. E em alguns instantes até sentia isso. Mas que nada, era só a sensação de liberdade e poesia desse momento. Me enganava a todo momento, numa inconstância agonizante. Essa leviandade me fazia brigar com quem mais detesto afrontar: eu mesma. Quão burra, infantil, e submissa estava sendo. Sou mesmo de carne e osso. Fêmea, apaixonada, e de um desvario gritante. Mas com todo verdadeiro amor do mundo que há em uma mulher. Disso sim, eu tinha certeza. E tamanha não era minha frustração por ser chorosa a isso. Como pôde chegar a esse ponto? Como logo eu, tão decidida, tão durona, pude deixar o barco correr dessa forma em que, mais parecendo uma provação, se perde na tempestade? Era tão frio... mas eu não ligava. Andei um pouco pelo salão e encontrei um pouso no paredão da torre, em frente ao mar. Assim podia ter a visão de duas luas lindas: uma autêntica vinda do céu, e outra que surgia embaçando a luz no mar. Era um reflexo do meu sentir que se mostrava presente. O mar... ah, o mar! Toda essa beleza ao meu redor. Essa sedução da vida pra gente acreditar nela, fazia com que abrisse os braços e abraçasse as horas futuras, desconhecidas, e cheinhas dessas surpresas que nos pregam a eventualidade. Esses eram os alguns instantes de esperança. Supõe imaginar como esses sentimentos me aterrorizam aqui dentro? É uma loucura! Me encantava pelo jeito miúdo do seu olhar, e pelo movimento dos seus lábios a comentar sobre qualquer bobagem. Me encantava pelo seu silêncio, como tão gostava de ser e ouvir. Era cativada por esse jeito tão másculo a ponto de deixar o menino dizer que ficou impressionado com o filme sobre extraterrestres que viu na sua primeira ida ao cinema, na infância. Que isso o marcou, ele disse. Essas eram uma das maiores coisas que me faziam amar seu mundo. Não importando onde costuma frequentar, a opinião de censura, seu vasto conhecimento intelectual, ou sua posição social. Nem mesmo o dedilhar das cordas que me atraiam. Esses eram apenas detalhes. Ele poderia vir nu e sem rumo, eu o acolheria mesmo assim, se assim ele me quisesse. Pois que seu jeito é meu mundo. Também pertence a uma parte de mim. Por isso deixarei guardado pra sempre aqui, nesse lugar, que inspira nostalgia, beleza e mistério. Lanço-me ao mar.