Serenou
Da xícara o vapor exala um aroma gostoso de hortelã. Já o frio lá fora sussurra que é hora de acalmar o corpo e aquietar as energias. Esses dias de serenos são dias em que tudo o que se quer é que cuidem de seu coração, cobrindo-o com um edredon bem macio e quentinho. As estações dão uma aula de equilíbrio: há dias de calor em que queremos usufruir de cada raio solar e virar camarões, até o céu dizer ‘calma, respira!’, e a temperatura cai chegando pra serenar tudo dentro e fora. A gente vira urso, um urso dentro da toca hibernando.
Na chuva, mais uma poesia. Os pingos de água caindo do céu fazem todo mundo recolher mais um pouco sua agitação. A gente pode pegar a xícara e ir para a beira da janela observar, o pingo cai na poça e forma vários outros pequenos pingos. Todos os pingos juntos ficam ali e recheiam mais ainda a poça. Ela estende as mãos e deixa que os pingos batam. As mãos molham e a água celeste toca numa cosquinha quase despercebida. Observando a coreografia dos pingos de chuva já meditamos e relaxamos nossas emoções.
Na padaria ali da esquina, Marieta reclama porque vai chegar desarrumada no trabalho, João resmunga pelo guarda-chuva pequeno, Aninha esbraveja calada por estragar sua missão de deixar o cabelo chapado. Enquanto todos eles lamentam o dia de inverno, ela se delicia com o tempo. Na simplicidade desse ritual todo mundo tem de graça um grande espetáculo de leveza, disciplina e calmaria. Se o senhor não sabe, muitos até se ajoelham a Deus pedindo desculpas por encher os olhos de água, pedir para chegar o inverno e acabar com o inferno de um solo seco, fazendo nascer uma planta no chão. E a vida fica mais fresca, as folhas respiram mais leves e a gente se inunda numa delícia de chá e chamego.